MEG KLOPPER

Nascemos sozinhos, morremos sozinhos, mas somente juntos podemos construir uma vida .

Textos


CARIDADE É AÇÃO


Quero contar a vocês uma história verídica. Aconteceu no dia 24/07/2003 e jamais esquecerei.

Recebi um telefonema às 14:30 hrs. de uma amiga que estava apreensiva usando seu telefone Celular.
Ela já é uma senhora com uma idade um tanto avançada. Apesar de não notarmos isso fisicamente, já tem 70 anos e sabemos que, nessa idade, algumas dificuldades se apresentam. Uma dessas dificuldades é subir escadas, morros, ônibus etc. Mas nada a detém quando o assunto é caridade. É um espírito que, se existir céu, paraíso ou coisas do gênero, com toda certeza, ocupará um bom lugar no andar de cima quando partir.
Penso sempre que o maior inimigo da caridade é a preguiça. Isso mesmo... a preguiça.
A Sra. X, por exemplo, não mede esforços para fazer caridade.
Todas as vezes que você a procura em sua residência e não a encontra, pode ter certeza que está fazendo companhia a algum doente, cuidando de crianças carentes, visitando abrigos etc...
Bem, mas vamos a história que me trouxe aqui.

No dia 24/07/2003 a Sra. X me ligou e disse:

- Estou aqui no meio da rua esperando uma menina para levá-la ao posto de saúde. Como ela mora num morro muito alto, eu pedi que ela descesse que eu a esperaria aqui embaixo. Alguma coisa deve estar ocorrendo. Marquei às 14:00 hrs. e já passam das 14:30 hrs. e a menina não chega...
Estou te ligando para matar o tempo e o constrangimento de estar parada por aqui, andando de um lado para o outro sem fazer nada. Muitas pessoas que descem do morro ficam me olhando e indagando com os olhos o "por que" de minha presença.

Perguntei:
- E o que você vai fazer, amiga?

- Ah, vou subir o morro e encontrar a menina na casa dela.

Eu lhe desejei boa sorte, mas fiquei apreensiva, dadas as circunstâncias. Desejava saber o que havia ocorrido com a menina, mas fiquei super preocupada com a decisão de minha amiga que, obviamente, estava passando por uma situação perigosa. Essa região que ela estava, aqui em Niterói/RJ, não é muito recomendada para quem não é morador do morro.

Esperei durante todo o resto do dia e nada, nenhuma ligação. Liguei várias vezes para o celular da amiga e nada feito...Fora de área!
Em casa não estava, o celular estava fora de área, enfim, comecei a pensar besteira do tipo: - Será o que houve com ela naquele morro, naquele lugar perigoso?

Apesar do nervosismo, tive fé que nada aconteceria. Afinal de contas, creio que o povo lá de cima, os anjos da guarda, sempre estão com minha amiga, ajudando-a nessa tarefa tão árdua, que ela desempenha com tanta garra e dignidade.

Finalmente, no dia 25/07, a tarde (24 horas depois), consegui achar a Madame peralta. (Brinco assim com ela...).

- E aí, o que ocorreu com você e com a menina? - Conseguiu encontrá-la?

Com a voz embargada ela começou a me contar o que havia acontecido:

"Essa menina que eu queria levar ao médico é irmã de mais duas crianças. Todos três foram abandonados pelos pais na casa da avó, uma mulher muito doente e bastante idosa.
Essa avó mora num quintal com várias casas. A maioria das casas é de seus filhos e familiares. As crianças sofrem muito, são carentes de tudo, principalmente de amor.
A mais velha tem 12 anos - Mocinha, cheia de sonhos... É vaidosa, deseja ter sapatos, mas não tem; Deseja ter roupas, mas também não tem; Deseja comer, porque vezes tem, outras não tem.
A criança do meio é um menino vivo, sorridente, magro e desnutrido, com apenas 10 anos de idade. Ele, pobrezinho, já sustenta a tia. Vive pelas ruas catando latinhas, vendendo balas, vendendo água nos semáforos, enfim, é um menor completamente carente, mas sorridente. O problema é que não vai a escola, como também suas irmãs não vão. Fico triste ao ver que ele não tem calçado e está sempre com os pés descalços. Acho que isso é fácil de resolver... quero dizer... os sapatos, mas a escola já complica muito. As escolas existentes no bairro possuem vagas limitadas. Mas, nesse caso, especialmente, não há nenhum interesse da família em enviá-los à escola, já que são mais rentáveis fora de lá.

A menor, pobrezinha, era quem eu fui buscar. Ela tem apenas 8 anos de idade e está com a cabecinha repleta de feridas fétidas. Escorre uma água amarelada e parece que, além de coçar, dói muito.
A menina tem um olhar triste, profundo e meigo também.
A avó, em função das feridas, raspou o cabelinho todo da menina. Não havia outra alternativa. Mas não fazem o tratamento necessário, não tem nenhuma higiene... É um horror!
Além disso, tem um problema sério com ela: Todos os dias faz pipi na cama. Ela olha para a tia, com ar de pavor, e mesmo acordada faz pipi em pé. Precisa urgentemente de um psicólogo.
Quando cheguei à casa das crianças a avó não estava. Veio de outra casa uma mulher que disse ser a tia deles. As duas meninas estavam sozinhas, enquanto o menino andava pelas
ruas para "ganhar uns trocados no trânsito". Foi assim que a pequena falou.

A tia, de forma arrogante, disse que não precisava que ninguém levasse a menina ao posto de saúde. Eu então fiquei nervosa. Tive vontade de lhe dar umas palmadas (ou outra coisa, né filha?), mas me contive.

Confesso que ri muito diante daquele comentário feito por X. Não consigo imaginar X agredindo quem quer que seja. É impossível!

Continuou X:
A tia me disse que levaria a menina ao Posto de Saúde na Segunda-Feira próxima, dia 28/07, pois já estava, inclusive, com a consulta marcada.

E onde está sua avó, querida?

Foi ao médico, tia X. Ela está doente do coração, disse a mais velha.

Olhei bem firme para os olhos da tia e lhe dei a seguinte informação::
- Vou levar a menina mais velha comigo e a trago de volta no final da tarde. Prometi que a levaria no Cabeleireiro e vou cumprir minha promessa.

A tia consentiu...

Apenas para que vocês se norteiem, as crianças são negras, bem pretinhas (sem preconceito). Já vi os três, só não conhecia a vida deles com detalhes.

Minha amiga, finalmente, foi até o Cabeleireiro com a mocinha de 12 anos. A menina, segundo minha amiga, estava radiante e ansiosa.

A cabeleireira penteou os cabelos da menina e passou um produto para alisamento. No final, lavou o cabelinho, penteou e depois de tudo pronto a cabeleireira lhe presenteou com duas pregadeiras, colocando-as uma em cada lado da cabecinha.

Minha amiga, a essa altura, já estava chorando. Aliás, nós duas estávamos, porque eu senti sua voz embargada, seu jeito manso, terno e aquele imenso coração que, transbordando de amor pelo seu semelhante, chorava de emoção contando o episódio:

A criança debruçou no balcão do cabeleireiro e chorou muito, sem parar. Tivemos até que dar água com açúcar para ela, coitadinha.
Quando a menina se acalmou, perguntei:

- O que foi, querida, não gostou do cabelo?

- Gostei tia X, gostei muito.

- Então por que está chorando tanto?

Com aquele olhar agradecido, entusiasmado, tímido e muito feliz a menina me abraçou e disse:
- Porque quando olhei no espelho, tia X, me achei bonitinha.
Acho que algum dia eu vou até me casar...


É isso, meus irmãos, ainda estou comovida com a história.

Imaginem uma criança com apenas 12 anos, vendo um mundo tão indiferente a sua volta, mas que mirando-se no espelho diz: "Me achei bonitinha!"

Depois disso, saíram do salão e foram fazer um delicioso lanche, com direito a sorvete e refrigerante. Acabado o lanche,foram para casa. Subiram mais uma vez aquele morrão, um estirão de terra e retornaram para aquela triste realidade.

Chegando lá, a pequenininha, com as feridas na cabeça, disse:

- Você tá linda, minha irmã! Linda, linda!

- Tia,quando eu ficar boa da cabeça e meu cabelo crescer, você também me leva no salão? Queria ficar bonita igual a minha irmã. Será que meus cabelos vão crescer, tia X, vão?

E assim, minha amiga terminou mais um dia. Desceu o morro pensativa, com toda certeza, imaginando o que faria para continuar ajudando aquelas pessoas. O que?

A menina ficou feliz e minha amiga ganhou mais um ou vários pontos lá em cima.

F I M 


Nota: A foto acima não é de nenhuma criança citada na história.
MEG KLOPPER
Enviado por MEG KLOPPER em 18/03/2006


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