Ave Maria no Morro
Data: 03/12/2006
Créditos:
Título do texto: AVE MARIA NO MORRO
Autora do texto: MEG KLOPPER (Amália Klopper), Locutor/intérprete: MEG KLOPPER Editor de som: Audacity Título e autor da música de fundo: Ave Maria - Bach AVE MARIA NO MORRO
Seis horas, já é noite. O sino toca na catedral e ecoa lá no alto. Seis badaladas anunciam que a tarde se foi... São 18:00 hrs. no morro . As senhoras se benzem, os mais novos continuam à correria do dia-a-dia; Há pessoas cantando happy Outras se reúnem na Igreja, nas praças, nas vilas, nos becos. Os trabalhadores cansados, começam à escalada vagarosa. Os estampidos de balas ecoam e correm sem destino... Correm Marias, correm Clarisses, Olgas, Madalenas... E as Helenas, as Marlenes, as mulheres do samba? Mirem-se no exemplo daquelas mulheres que não tem recursos, que sobrevivem... Faxineiras, lavadeiras, costureiras, arrumadeiras, cozinheiras, donas de casa, babás, domésticas... Com salários, sem dinheiro. Sem dinheiro, sem salário. Elas estão chegando também. As luzes do morro estão sendo acesas. É chegada a hora da Ave-Maria. E todos se reúnem, mesmo aqueles que pertencem a religiões diferentes, que não cultuam MARIA, sabem que seis horas é hora sagrada. É a hora dos moleques que estão brincando de pipa, de pega-pega, de esconde-esconde retornarem aos seus lares. E as mães se reúnem num coro: Sobe Pedrinho, vem Zézinho, anda Carlinhos! E cadê o menino que saiu para engraxar sapatos e ainda não voltou? Ah, é o Joãozinho, filho da Cotinha. Ele sai de casa às 07:00 hrs. da manhã e retorna às seis horas, quando já é noite no morro... Joãozinho não chegou, cadê o Joãozinho? Cotinha vai até a ponta do morro e pensa: Será que tem blitz lá embaixo? Será que tem algum engarrafamento? Mas Joãozinho anda a pé... Meu Deus, cadê meu fio? Reclama a Cotinha... Cadê meu fio? Alguém viu? Cotinha, as mas línguas dizem que o Joãozinho leva drogas junto à caixa de engraxar. Todos sabem disso, Cotinha... Você é única que ainda não sabe... Ou sabe? Ele deve ter tido problema por causa da TV. Não, meu fio não faz isso! Ele disse que aquela televisão que ele trouxe foi um bacana que comprou e lhe deu de presente. Ele não estudou muito, eu sei. Não é letrado, não sabe contar, não sabe falar direito Mas o meu João é bão! Já passam das seis... E meu João? Escutem, escutem, estampidos de bala! Corre pra dentro de casa gente... Se abaixem... Os homens tão subindo. Não, gente, não são os homens! Acho que pegaram alguém... Quem será? Dona Cotinha, Dona Cotinha, pegaram o moleque... Pegaram o João! Lhe deram muitos tiros, ele rolou e está estirado no chão. Mas por que fizeram isso ao meu João? Ele é menino, ele é meu filhinho... Ele é risonho, é brincalhão... Ele é meu querido, o meu fio é tão bão. Eu sei, Dona Cotinha Mas os chefes da boca não perdoaram ele não. Ficou devendo a muamba, não pagou os caras não Gastou o dinheiro das drogas comprando televisão. - Ele ficou calado, não quiz explicar a razão Agora tá baleado, mortinho igual a um ladrão, por causa de uma televisão. Ele dizia: - pobre do João - "Minha mãe tem que ter mais satisfação Ela fica cansada, não tem um divertimento Agora vai vê novela, vai vê programa, Vê jornal e as noticias do momento." Tadinho do meu fio... Minha maió satisfação era vê ele rindo Mas agora meu coração tá cortado, Meu fio tá partindo Ele tinha sonho, meu fio De crescer e ser importante Queria comprar um carro amarelo, ser taxista Queria desfilar na escola de samba...ser passista Ai meu Deus, que maldade fizeram Meu João só tinha 12 aninhos Mal cresceu, meu molequinho E agora tá morto o pobrezinho! Que dor, é duro pro meu coração Ver meu fio morto é muito sofrimento Até hoje não tive alegria A não ser no seu nascimento Ele é o meu pequeno,meu moleque. Ai, fio, fala comigo, em nome de Jesus Não me abandona filhinho Abre os olhos, veja a luz Nunca roubei nada, ele também não. Sei que ele ia pagar, mas não quiseram esperar. E agora fico sem ele, sem meu filhinho. Ah que dor, minha vida vai ser chorar ! Mas Deus vai ter piedade de mim Que tô sofrendo da violência Que fizeram pro meu filho... Não tiveram paciência Estou iguar a Maria, sofrendo a mesma dor Meu fio é tão menino, é tão puro meu João Agora tá mortinho, iguar a nosso Senhor Nem se mexe...diz nada não. São seis horas aqui no morro É hora da Ave Maria Vou rezá pra ela levá meu fio Assim, ele sobe em boa companhia. Vou pedir pra Jesus perdoá E o meu filho não castigá Ele é bão, senhor Cuida dele do lado de lá. Vai, meu fio, Mamãe já vai rezá Pra todos os santos e anjos na sua mão segurá. MARIA, MARIA, JESUS TO VENDO VOCÊ AÍ DE BRAÇOS ABERTOS ME PEGA, ME SOCORRE MEU SENHOR ME ABRAÇA, CRISTO REDENTOR ! AI, AI QUE DOR MEU SENHOR!! Por que esse negócio não muda? Por que o Brasil não vai pra frente? Por que a violência mata tanto O que o governo faz pra gente? Tira a vida das pessoas Que não sabem o que fazer Roubam nosso dinheiro E meu fio não pôde crescer Mas já vou parar, agora é só chorar É um vale de lágrimas e sofrimento Maria, me ajuda, mãe Me salve Rainha, me dê livramento. Então tá... sobe meu fio Pega na mão de Deus e vá Os anjos te abracem e te abençoem Eu fico aqui, de joelhos a rezá Adeus, Joãozinho... Um dia a mãe encontra ocê. Sobe fio, vai Sua cina é subi, então sobe. Ave Maria, cheia de graças Socorre o meu fio Cuida dele pra mim. (Amália Klopper)
Enviado por MEG KLOPPER em 12/11/2005
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